19 de janeiro de 2019
Ilha Navarino além do Dientes
Depois de descansar um dia em Puerto Williams, pequena cidade no extremo sul do Chile (800 km da Antártica), seguimos para a nossa segunda jornada aqui na Ilha Navarino, com os guias da Backpaking Brasil: Trilha até a Baia Wulaia via Lum.
Esse pitoresco local foi onde Charles Darwin (naturalista britânico) desembarcou em 1833, durante sua viagem a bordo do HMS Beagle. No local, ficou alguns dias e fez interessantes descobertas, bem como conheceu a peculiar flora e fauna da baia. Também é um lugar histórico, já que foi uma das maiores sedes dos nativos Yamanas (povo da Terra do Fogo).
Desde 2007 a baia é concessão da Cruzeiros Australis, empresa que opera com uma frota naval que leva milhares de turistas todos os anos até lá. Eles conservam as trilhas, o museu e o cais na pequena baia.
Outra forma de se chegar até lá é a pé. Há dois jeitos de chegar caminhando até a Baia Wulaia: via Puerto Navarino (onde chegam os barcos que vem de Ushuaia – Argentina) com cerca de 30 km de percurso só ida, e via Rio Lum com 18 km só de ida. Escolhemos fazer a Baia Wulaia via Lum.
Início da trilha: Rio Lum
Pegamos um transfer de van até o Rio Lum, onde fica a fazenda Lum da dona Maria, local de início da trilha. A mesma van viria nos buscar daqui a 4 dias nesse mesmo local.
O rio Lum deságua no Oceano Pacífico e fica defrente a Ushuaia, na Argentina. Estávamos bem próximos (cerca de 10 km) à Puerto Navarino (local onde chegam as barcas de Ushuaia) e a cerca de 60 km da cidade de Puerto Williams.
Entramos na propriedade da Dona Maria, que nos recebeu muito bem, e seguimos cerca de 1 hora em uma trilha bem demarcada pela floresta. Bem próximo a casa da Dona Maria, há muitas árvores caídas e tudo é muito seco, nos tons de marrom e cinza.
Logo no início da trilha percebemos que o gatinho da Dona Maria estava nos seguindo. Ficamos preocupados dele se perder e resolvemos eleger um da nossa equipe para levá-lo de volta para casa.
Depois a floresta se forma mais verde, mas também com muitas árvores caídas também. Essa característica é bem comum na Patagônia, pois o solo é raso (pouca terra e logo abaixo já estão as pedras) e as raízes das árvores não conseguem sustentar o seu peso em dias de ventos fortes. Imagine a velocidade e a força dos ventos que cortam essas florestas no inverno…
Cadê a trilha?
Após uma hora, entramos em uma área onde a trilha literalmente desapareceu. Tínhamos ouvido falar que dias antes da nossa jornada, dois alemães desistiram de fazer essa trilha devido as más condições da mesma. Como nosso guia Erasmo já tinha feito 3 vezes esse trajeto, tinha, além do arquivo no GPS dos caminhos anteriores, sua memória fotográfica, que por sinal estava bem certeira.
As vezes encontrávamos as antigas marcações da trilha e ficávamos felizes por estar no ‘caminho certo’ e não apenas só ‘as cegas’ pelo GPS. As antigas marcações são pinturas amarelas com dois traços vermelhos ao centro ou apenas dois traços amarelos, que ficam no tronco das árvores. Como a maioria das árvores estão caídas, perdeu-se muito dessas marcações. Alguns trechos há fitas de plástico coloridas amarradas em algum ponto mais visível, deixado por um caminhante gentil. Procurar essas marcas e fitas foi um dos melhores passatempos que já ‘brinquei’ na minha vida, e gostei.
Passamos por charcos e turfas lindíssimas, sempre subindo levemente. Andar na turfa é bem duro, pois por ser vegetal é macia e os pés afundam com nosso peso. Deixa nosso ritmo mais lento, já que os passos rendem menos. Mas as cores das turfas, principalmente o amarelo e o vermelho, em contraste com o verde das árvores, é uma imagem inesquecível.
Outro processo que cansa muito é pular árvores caídas e suas raízes. Algumas árvores eram tão grandes, que precisávamos ‘montar’ em cima delas para transpô-las. Esse desgaste físico, para mim, foi comparado a subida do Pico Paraná, que também tem situações parecidas.
Contornar as lagoas procurando os lugares com menos lama para pisar também é cansativo. Enfim, a trilha é fácil: tem um desnível pequeno, são poucas horas caminhando por dia, mas esses desafios da turfa, lama e árvores caídas, tornam ela um pouco dura.
Hito 6: local de acampamento
Nosso objetivo era acampar no ‘Hito 6’, recomendado nos guias do circuito. Mas ao chegarmos lá (cerca de 3 horas depois da nossa saída do Rio Lum) vimos que a água estava bem suja, devido ao gado selvagem que vive por ali. Havia muitas fezes de bovinos próximo e dentro da água e preferimos seguir mais adiante, que segundo o guia, haveria um local mais apropriado para acamparmos.
Além do gado selvagem, dona Maria nos alertou dos cavalos e cachorros selvagens, que são bem agressivos. Confesso que fiquei com medo de sair de noite e encontrar algum deles no meu caminho do xixi da madrugada…
Passamos pelo ‘Hito 7’ ao lado de uma laguna e achei que fossemos acampar ali. Mas o guia disse que havia um lugar melhor ainda mais à frente. Eu já estava cansada de andar naquele charco, mas se ele disse que havia um local com água mais potável a frente, seguimos seus conselhos.
Após uma hora e meia do ‘Hito 6’ chegamos em um local perfeito para acampar. Ao lado de um rio com um volume bem baixo, mas com água mais corrente. O guia disse que normalmente atravessava esse rio com água no joelho, e desta vez estava com pouquíssimo volume. Convencemos o guia de ficar ali, prevendo que se esse rio que era caudaloso estava baixo, seria melhor garantir o acampamento aqui do que seguir e encontrar o próximo local sem água.
Acampamos ali mesmo. Arranjamos um local mais no alto, sujeito aos ventos, mas em compensação exposto ao sol. Ele nos acompanhou até quase as 10 horas da noite. Jantamos e fomos descansar.